sábado, 22 de dezembro de 2012

P. aos M.(s) - I

fio azul elétrico em tom de morte
engarrafada

ela é um monstro que a minha
cabeça criou
um corvo amarrado em vestido
rosa que não me deixa
abrir os olhos

eu traí o meu amor com
um olhar praquela coisa
ela ria e mostrava mais de trinta
dentes mais de trinta
vezes com o estômago suspenso

eu preciso acordar agora

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

nervos de novo
não tentem me foder

eu descobri cedo quanto
vale uma caixa
ocidental como
a minha e o prejuízo que ela dá
quando é aberta

ela tem recheio de ação
sem gosto

poeira no canto colocada
de propósito

e uma tampa

que serve dia sim e dia
também como armadilha
pra me salvar do
que chega perto

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

nada pra fazer com
uma pá e uma paranoia pra desenterrar

nada pra fazer com um
olhar de pena mirando o chão
quando ele parece
só um olhar pro chão

ou com um bom-dia que eu
não alcanço

e nove dez onze zero horas são tão
abertas e tão compridas que se
acabassem seria o fim

ou o primeiro buraco aberto
pra cair

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

bigode de ditador
preto ou branco no estilo
carisma atrapalhado
pelo

ventilador

porta de
dezembro com
dupla hélice e
sal de fruta
pra aliviar a dor

ambos numa lista completa
confusa e
profunda

numa imagem
marca ou resumo

não é tão simples descolar
do sofá

não é tão simples gelar
a água pragora

nem te convencer a jogar
os nossos restos fora

não é tão simples com ou sem
lista de planos
com ou sem espinho

nunca engolido
mas lá dentro

que dirá degravar em
silêncio algum verbo ou
menos

não é tão simples esperar uma semana

terça-feira, 13 de novembro de 2012

rua ele e rua ela não se
cruzam há muito tempo

igual um ato complexo como o de
apagar um cigarro
encontrar a fechadura
abrir a geladeira
caminhar no escuro
deitar numa cama e
não cair dela

igual um ato complexo como
o de cruzar uma rua

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

usa a minha sombra
que eu uso a tua elas são
altas e apontam sempre pro
fim do dia

nunca na hora
certa

depois volta em
cada lugar como sempre
acontece e completa as
coisas

com aquele jeito de decidir
que usa a minha vontade

enquanto eu uso a tua

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

um passo meu pra trás
pra aumentar a distância
duas vezes

o ânimo olha pra baixo
e o medo respira na frente
do espelho
sem recuar
comigo

um aceno com a cabeça pro lado
e a resposta vem turva

entre eu e eu mesmo
mas só pra um de nós

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

ser pequeno como o último
degrau da escada

um pedaço nunca pareceu tanto um pedaço
principalmente lá em cima
uma casa nunca pareceu tanto uma casa
com teto e polícia
que parecia só polícia
e proteção iluminando a
rua vermelha e quente como
o último passo em
segredo

uma palavra nunca pareceu tanto
uma palavra
tua

mas era minha

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

foi difícil mas
deu pra atender o
pedido dela

dá um sorriso
com a cabeça
erguida e fica nessa
posição que eu
vou jogar uma
gota de seiva em ti
e te levar pra casa

dourada pra sempre
lá dentro
ela sorri do mesmo
jeito vendo tudo
em cor de ouro
pra sempre
lá fora

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

na placa eu via procura-se fr nt st
mas eu lia frentista mesmo
e aquilo era opção
no chão com as vogais de plástico adesivo
amassadas sem utilidade

e com a estopa quase limpa
de dar pena e orgulho

pensando bem
é uma opção

parece que o cara da loja
de conveniência é escritor
ele trabalha na merda do caixa
da loja de conveniência de uma merda de posto
que só vende bebidas
bom ele consegue sobreviver
tem gente que escreve também
e não tem nada pra mostrar
e não tem um emprego
nem uma cara feliz
como o escritor-caixa

por sinal
ele deve ser bom nisso

pensando bem
sem opção mesmo

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

tenho que descer
pra levar o lixo
pra fora
mas não
te preocupa
que ele

volta

terça-feira, 2 de outubro de 2012

entidade
paz estranha
sentada na minha frente

eu sei lá o que ela quer
eu não entendo
ela tem um jeito difícil de falar
que contrai a minha paciência
e que quase dói de verdade
que levanta um pé de cada
vez contando quem
pisou mais
em quem

estranha sentada
pacífica no outro lado

dá pra ver que ela não é
mais a mesma desde
que chegou aqui e sentou
ela não nega nada
nem precisa e é quase
certo que
não sobrou nenhuma outra
pergunta sem resposta pra fazer

terça-feira, 25 de setembro de 2012

desnecessário mover dedos ou mover
outras peças num dia de merda o que
eu gosto é de encarar caras e olhos
surpresos de gente parada enquanto
olham pra alguma coisa interessante
atrás de mim

como um galho de pinheiro cortado pelo
funcionário da prefeitura

a aglomeração ganha sentido e
o ônibus não passa e
levam outro galho pro caminhão e
os dedos continuam imóveis e
o cara de óculos deve ser o chefe e
todos esperam um acidente e
eu vejo o calor subir do chão e
as peças não se mexem e
as pessoas também não
e pra minha felicidade
caras e olhos encaram algo
atrás de mim

é aquela coisa interessante
que eu nunca vi

como um funcionário da prefeitura
cortando um galho de pinheiro

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

o próximo passo é uma surpresa ou
uma cara de surpresa
ou muitas delas na verdade e um silêncio
impaciente que
não pára
pra tomar fôlego

na próxima vez eu escolho e
espero que a noite passe reto
ou que passe o dia
mesmo que só a metade
em algum lugar lá fora

e um momento pra consultar
relevo e altura ainda
importa

e uma pergunta também
mas não agora

e isso: mais alta
quase sempre
sempre lá

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

bata e corra frente a frente com todo mundo nem
parece um desabafo bem pesado e bem certeiro no meio
dessa caixa ocidental
sem tampa
aqui

sem tampa e sem prazo pra
continuar limpa
e aberta

o que vale é o sinal pegando bem
e alguns gostos diferentes bem
arranjados por sei lá o que
pra ajudar na criação

continua sendo minha
a resposta
só que
não alcanço
ela

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

primeiro mundo com fiação
elétrica subterrânea e mosquitos
que dormem o suficiente pro sangue
secar

qualidade de vida medida no
olhar e no comprimento das ruas
cada vez menores à medida que os
olhos fecham

mais um passo e ela fica lá atrás a uma
distância incalculavelmente escura e sem
fios pra desocupar

é lá que o meu sangue seca

bem longe daqui

em algum lugar

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

um telefone e uma caneca
com alguma coisa molhada nela
paz e botões são relances frios e
iluminados até que a tela se apaga

é importante provar ou
não uma irrelevância derramada
e tenho quase certeza que bebida
mas

quando a memória falha
nada é confiável
e qualquer possibilidade
tem gosto de chance perdida

terça-feira, 28 de agosto de 2012

uma pequena civilização
esquece de colocar lixeiras nas ruas
e perde o território por um golpe do destino

a história do mundo começa pela
história da minha rua
tipo uma rua descuidada
é assim que é
e é assim que se financia uma
revolta reprimida mas isso ninguém conta
porque quem conhece a história hoje
não fala nem corre mais
e só sai a noite e
esquece que o mundo
começou por outra cidade
tipo uma colônia perdida
inalcançável através das vassouras
e da patrulha sanitária
fumaça em água eu
só vi isso a noite toda no
estacionamento do meu prédio
olhando pros lados
e brincando de ser um cara sujo
e de ser condômino
de ser um vizinho malvisto pelos outros
mas só eu brinquei
porque quando subi
tudo continuava igual,
a tv continuava no mesmo canal,
a geladeira ainda não ligava a lâmpada
quando a porta abria,
a minha cama continuava precisando
de um colchão novo
e de alguém feliz pra dormir em cima dela
o gás tá caro pra cozinhar
como a embalagem ensina
a luz e a água também
por isso não fica bom nunca
mas eu sempre como sozinho mesmo
e quando alguém aparece
eu não abro a porta
e quando abro eu peço algo
por telefone
aí aproveito
e já mato a fome
e resolvo o resto
depois de tomar aquele suco feito
com bem mais que um litro de água
que também não fica bom nunca
fraco e amargo
como eu

domingo, 19 de agosto de 2012

foi ainda deitado que
vi refletida no vidro da janela
a minha cama desfeita
apenas a minha cama
desfeita

alguma força me pôs em pé e
me empurrou pelo
corredor que
continuava deserto

deserto no espelho do banheiro

desci correndo e abri a porta
ergui os dois
braços e segurei
o mais alto que pude
aquela última vontade de continuar

era o meu presente pro mundo

mas as pessoas na calçada
só viram uma porta aberta

uma porta aberta
em uma casa vazia

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Aqui ninguém é bom
aqui ninguém é mau
ninguém é santo ou deus
nem o diabo nem ninguém aqui
nenhum de nós conhece nada
aqui todo mundo é de
vapor e veste carapaça de pedra
aqui todo mundo pode ser gênio
mas lâmpada nenhuma prende
ninguém aqui porque
a gente vive no escuro
e tem muito mais espaço lá.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Como eu faço pra explicar eu não sei,
a clareza tem duas caras e uma
delas é escura e complicada
demais pra convencer qualquer pessoa.
Talvez tenha errado quando mostrei mais de uma resposta,
isso nunca é bem-visto, e não interessa quantas
perguntas foram feitas e nem se
não escolhi uma das alternativas jogadas na minha frente,
eu não sei, a verdade é que eu tenho
certeza do que eu estou fazendo,
e tenho tudo isso muito claro dentro
da minha cabeça,
na minha cabeça de duas caras,
mas duas caras complicadas demais
pra te convencer.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Não olhe para cá

Olhe para o outro lado,
forte,
sempre forte,
deixe o bêbado,
o fraco, o drogado,
e volte para o seu mundo de verdades.
É impossível vestir a lucidez
num corpo despido pela realidade.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

posso dizer que já experimentei
a sensação de ver o seu organismo funcionar como deve
funcionar e não gostei

não gostei e posso repetir isto se eu quiser
mas não quero
porque a minha mente se corrompeu e
estou me transformando num monstro sem armário
neste exato momento

a necessidade de proteger o seu lugar
não justifica esse meio
tomar o único bem que tenho
o meu único segredo
não afastará qualquer sonho ruim
eu prometo.

terça-feira, 19 de junho de 2012

esse é o único planeta
habitável que eu conheço
é sério
eu só pago pra ficar aqui
porque não tenho pra onde ir

bem que isso poderia ser uma colônia
de cupins e bem que ela poderia cair
no chão e se partir em milhões de pedaços
então eu acordaria no meio da areia
com um par de asas enormes e pegajosas
e um mundo inteiro e novo pra consumir
e consumir em qualquer lugar
o nome disso é transformação

se eu não tinha opção e agora posso voar
quer dizer que posso viver sem opção onde eu quiser
isso muda a forma de ver as coisas

pelo menos é assim que eu gostaria de pensar

domingo, 17 de junho de 2012

mais coração menos razão
eu li na porta de um banheiro
mas será que só eu li isso?
é eu tirei esse sábado pra me destruir e todos
os outros sábados da minha vida
nenhum nome oculto na parede
nenhum amigo de amigo
só um letreiro luminoso
e a minha tripa iluminada
a visão da destruição

sexta-feira, 15 de junho de 2012

represento um perigo naquele pequeno espaço
isso é novo pra mim e é claro que

dignidade e parada de ônibus combinam
por incrível que pareça com o silêncio
e com o suor do fim do dia
não com palavras
mas o olhar alemão dela me jogaria em qualquer lugar
sem dificuldade sem a menor piedade
se eu não explicasse que sou pelo menos uma
pessoa inofensiva.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

espetado e queimando como um guarda-sol
qualquer homem honesto trocaria
pasto público e gratuito por carne
é o que eu penso
mas não interessa
já que todos dormem plantados
em terra seca inclusive eu

por não crescerem o suficiente para
alcançar os frutos continuam a atirar pedras
esperando que caiam

sempre cometem o mesmo erro

por isso insisto que a probabilidade de alguém algum dia perceber
que uma maçã cai na mesma velocidade
que um ovo é igual a de não perceber
e isso não prova quem veio primeiro
o observador ou o resto

ou prova?

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Um importante avanço. As máquinas aprenderam
a errar, hoje fazem isso melhor que os nossos doutores.
Quanto a mim, fiquei feliz quando soube que não
tinham pernas, mas quando percebi que
usavam as minhas, passei a duvidar
dessa chuva de estatísticas que vem
e vai, tão rápido, e não traz
nenhum progresso, eu nunca vi um de verdade.

Se a mesa disciplina e transforma, como só um casulo faz,
puxar a toalha não te dará asas,
não te dará nada.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Emagreci demais,
pode ser câncer,
ou pode ser só porque
não me alimento direito,
porque não tenho
tempo pra almoçar
e a pressa me deixa
enjoado e sem apetite.
Se for só isso, tudo bem,
significa que eu ainda tenho
alguns anos antes do câncer
aparecer de verdade.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Depois que eu morrer
pode me chamar do que quiser,
só não me chama de volta,
por favor, não me chama de volta.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Eu não tenho só roupa bonita, eu tenho
roupa feia também, e escolho quais os
dias que sairei bonito e quais os dias
que sairei feio, e se chove e a roupa
bonita não seca eu tenho que sair feio
de novo, não tenho opção. Às vezes
eu misturo uma coisa com outra e
parece que isso me deixa confiante,
que fico confortável ou mesmo normal,
mas na moda, muito humano.
Se eu tivesse dinheiro, seria bonito
todos os dias, compraria coisas novas
todos os dias e no final de semana
seria mais bonito ainda, sim, seria mais
bonito ainda, tenho certeza disso...
mas eu sei que sempre que a chuva viesse
eu não saberia qual roupa escolher.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Nós temos a mesma altura,
exatamente a mesma altura,
ela adora isso, e acha graça do mistério.
Mentira, é claro,
mas é importante que seja assim
porque nada depende
da conversa entediante,
nem do medo de precisar daquilo,
também não importa se é real,
na verdade nada importa
porque nós temos o mesmo tamanho,
por fora, é claro,
e eu tenho certeza que ela adora isso
sempre que sorri pra mim
lá de cima.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Não, agora não levo nada comigo, nada maior,
apenas o importante,
e ainda me tranco no quarto,
e organizo as gavetas,
e ainda choro quando encontro
alguma coisa que não lembrava
que tinha guardado. Eu limpo ela
e aperto com a mesma mão de sempre,
como se fosse um corte aberto,
e sorrio, tentando imaginar
que tenho por um instante
aquela inalcançável vontade de envelhecer.
Eu imagino sim, muitas coisas.
Imaginei a beleza uma vez,
imaginei o que poderia viver lá dentro,
e se seria seguro, e se ficaria longe do chão,
e quando acordamos eu me despedi dela
e pensei em algo pra dizer depois,
mas eu não disse, só entreguei
o que ela tinha esquecido comigo,
e fiquei esperando alguma mudança,
alguma que levasse tudo o que é meu embora,
e ela chegou.
Agora não levo nada comigo, nada maior,
apenas o importante.

domingo, 20 de maio de 2012

não combina com a posição
e o dono da loja seguia sorrindo
a gravata dele também não combinava
todo mundo continuava passando
e olhando como se fosse um atentado
era o cheiro da intimidade de quem sabe negociar
o tamanho mudava o valor do que procurava
sempre seguindo a variação que a gerência buscava ditar
com o mau hálito conhecido daquele departamento
outro coitado vestido de autoridade
isso dava segurança para tentar
novamente expandir o limite
e ser chamado pelo nome
e colocava o cartão entre os favoritos
nunca usados da carteira.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Ele cumpria pena
na adega escura,
todas as noites do inverno.
Nada machucava
o canto da caneca,
nem o lábio duro
do velho que segurava
tremendo o toco
de vela apagado pela poeira.
Quase sempre chovia,
e quase sempre inundava tudo.
Sobrava uma parte pros cães
e o resto ia fora com a água,
descendo as escadas,
levando tudo que ele tinha,
como prova divina de cuidado.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Caso de liberdade I

Os escravos observaram
os próprios reflexos
nas vitrines das lojas
que passavam do lado de fora,
então veio o pensamento
de que cada um era fruto
da mesma troca.
O ônibus parou,
todos rasgaram
os contratos,
cortando com cuidado
as digitais impressas
sobre as letras miúdas.
A parte que se libertou
ficou olhando
de longe a multidão
que se reunia todos os dias
nesse mesmo lugar, entre
o caminho da casa, da igreja e do trabalho,
cuidando para não pisar
em nenhuma das pragas
que corriam entre os pés inchados
pelo esforço repetido.
Agora todos eram livres,
mas ainda sentiam
um pequeno incômodo quando
observavam seus rostos desconhecidos
sorrindo e refletindo
entre os cartazes de promoções.

terça-feira, 8 de maio de 2012

A diferença entre
uma boa e uma
má pessoa
está no quanto
cada uma consegue
esconder sobre
si mesma.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Ana

Entrar de cabeça no mundo
gritando e ensinando
é a tua metade do trabalho.
Tudo o que é nosso
passa por ti, mesmo que escondido,
e até nas casas de fitas
o repertório copiado à risca
segue esperando
uma discussão qualquer terminar
para ser aproveitado.
É na noite que eu vejo,
longe da rotina que enjoa,
o teu olho brilhar,
com alguma lembrança perdida,
onde nenhuma luz alcança,
em algum canto de bar.

domingo, 6 de maio de 2012

Você secaria suas veias,
largaria seus vícios por um dia e
dormiria na rua por exaustão e raiva
daria o resto de sua bebida para qualquer pessoa
mas nenhum centavo para que comprasse sua própria dose
porque essa sensação é sua, apenas de sua.
Logo, mesmo que andar com moedas
não seja uma obrigação
você faz, e detesta, e reclama, e esvazia os bolsos
na porta de entrada do Banco,
e esvazia os bolsos logo que sai do Banco,
e corre atrás do prejuízo até escurecer
e é aí que você decide dormir pela rua mesmo.

sábado, 5 de maio de 2012

essa guerra me enlouquece
todos lutam feridos
em causa própria
ou lutam juntos
por causa nenhuma
e no fim todos morrem
carregando alguém
ou alguma coisa
valiosa demais pra cair sozinha.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Mantenha tudo na concentração certa
para vê-los sentados nas cadeiras,
ou deitados nas camas,
apoiados ao lado da mesa,
posando para a eternidade
com os olhos apertados
e o peito limpo para análise
dos intrusos e visitantes desinteressados
que nem sequer perguntam
o que fazem esses corpos,
inertes e inúteis,
presos num porta-retrato
de moldura barata e moderna,
como tudo hoje em dia.
Talvez seja isso a natureza morta,
ou mesmo uma nova corrente
de pensamentos fundidos
e fodidos, ferrados e manchados,
vazios e viciados,
escravos de qualquer álbum
aberto, incompleto e perdido.

Requer habilidade,
que por certo não tenho,
para avistar o exato instante da captura,
quando tudo sai do corpo para
respirar e logo submergir à sua cela,
garantindo a genialidade que serve à distração,
a engenharia que não serve à nada,
garantindo que se ancore mais um momento,
catalogado e engavetado, preservado
para queimar em alguma fogueira,
em alguma caverna,
daqui a alguns milhares de anos.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

-casa vendida

o assoalho de madeira range
porque não quer nossa presença.-

voaram para longe
usando as cortinas
e levando apenas o
dinheiro trocado
pela mobília.

o cachorro assistia tudo
parado na esquina
com os olhos vermelhos,
o que indica que o semáforo cansou
de comandar a ordem e decidiu
incorporar algo mais neutro.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Quando chego num lugar
lembro de algum erro que cometi ali
e isso fica insuportável
com o passar dos anos
e não existe uma fuga
você gira no próprio eixo
enquanto a corda enrola
nas suas pernas
e na hora de ir embora
você finge estar parado
pensando e amadurecendo
quando na verdade
apenas não consegue se mover
por causa dos nós que prendem os joelhos.
Você manda todos irem na frente
e promete alcançá-los
mas na verdade sabe
que ficou pra trás
e sozinho dali em diante.

domingo, 15 de abril de 2012

Estudar assim é mais fácil
as informações vagas
menos vagas
os livros de geografia
menos mascarados
os livros de biologia
expondo as partes íntimas
dos modelos anatômicos
os livros de química
trazendo o benzeno
em fundo verde
num losango
em preto
em sinal de cuidado.
Assim é mais fácil
acordar atrasado
num dia de chuva
e frio carregando
numa sacola de plástico
um cartaz de papel
que não poderia ter
molhado.
Assim é fácil
misturar números e letras,
jogar toda a responsabilidade
no corredor lateral da escola,
assim é fácil.
Difícil é entender,
já que saía
quando queria,
como fiquei lá
tanto tempo.
Sentar na varanda
com uma cerveja gelada
é o mesmo que sentar
na frente da tela do cinema
o milharal
no meio dos dentes
a tela
o som sorround
os círculos estranhos
na tela e na frente
dois cigarros no maço
um ingresso pago
virado pro quintal
com o guarda na corrente
e a lanterna ligada no disco
rastreando um sinal de inteligência
e elevando ao ar o pequeno cisco.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

A primeira vez que um homem
deu flores para uma mulher
ficou marcado na história,
no mural de pedra
da evolução,
o tosco movimento bípede,
detrás da rocha até o primeiro pé,
a resistência dela ao ver
o passo racional gravado
no chão de barro,
a primeira desculpa aceita
tendo o fogo como testemunha.
A ideia passou
de macaco para macaco,
de coisa pra coisa,
de pai pra filho,
e o homem descobriu
que a melhor época
pra fazer besteira
é na primavera.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Se Deus fosse mulher,
nada mudaria,
os mendigos continuariam
a falar sozinhos
o tempo todo,
e as coisas que
teimam em permanecer
ainda seriam as que
não precisamos.
Não é algo contra a segurança,
é apenas contra a crença,
por ela poder ser o que quiser
e estar em todos os lugares
tocando as pessoas
sem permissão.
Um dia, se Ele vier,
mesmo que seja um menino,
saudável entre os animais,
será só mais um contra todos,
e apenas outro para contar
as moedas entre nós.

sábado, 31 de março de 2012

Queria uma bala
pra me despachar,
até o fim do dia
mais difícil da minha vida,
para algum destino errado,
num pacote de madeira enfeitado.
Tive sorte, quando não
atendi o telefone
ligaram pro hospital,
pra delegacia,
ligaram pro IML,
ninguém sabia do homem,
e, quando perguntaram
pro coveiro
apenas ele ajudou:
disse ter me visto
dentro do último buraco que fechou.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Toda casa tem uma, sempre ligada e
oferecendo o mundo sem pedir nada,
explicitamente.
O sofá é confortável,
a informação pronta parece ser mais inteligente,
todos contestam e reclamam
porque, afinal, ela mente,
e não importa que minta, pois existem botões
que te presenteiam com o que você deseja ou precisa escutar.
Passamos minutos procurando uma companhia ideal,
canal após canal, só para gastar energia
e preencher o silêncio, enquanto comemos,
e não é preciso mais conversar.
Encontramos um meio de evitar discussões,
de superar frustrações, e de sentir alegria,
mesmo sabendo que ela irá embora
assim que a tela se apagar.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Cobrir os olhos com as mãos
parece ser o bastante para aliviar
a cabeça e afastar o que realmente importa.
Mas, o segredo está no improviso perturbador
do que acontece só por acontecer e no balanço
nauseante que vem antes da queda,
que fica pra sempre gravado
na parede da mão flutuante, acumulado,
impossível de descrever.
Sempre pensei que o desafio seria
lembrar das boas paranoias,
das paranoias aconchegantes e
repletas de sabores cultivados
e moldados do outro lado da lente
pro mundo desarrumar.
As ferramentas estavam ali o tempo todo,
no meio do engodo infantil
e da música mecânica
que por um erro surgiu diante da graça.
Estava ali o tempo todo, indeterminada e aquecida,
mas algo apareceu, acendeu as luzes
e não há mais o que se faça.

terça-feira, 27 de março de 2012

Leia isso com muito cuidado, porque eles não entenderão
quando minha voz ressoar na sua mente
cansada, de tanto chamar a atenção.
Junte os pontos. É muito simples arriscar numa nota alta.
Primeiro os traços menores, para que
cresçam conformados com a próxima direção,
por fim os ilegíveis, em plena decadência
pelas pontas quebradas e pela falha concentração.
Nasce uma cópia fiel de sua própria existência
e o desenho se revela de forma inesperada:
uma bela folha em branco
cada dia mais amassada.

terça-feira, 13 de março de 2012

Meus dedos pingam e
examinam a forma como apertamos
a mão de algum estranho próximo.
São levados à força a encarar a febril mulher da capa da revista
e a experimentar o remédio da melhor safra.
Pedem para sonhar que são aranhas,
e que me confundem. Eles têm o que desejam.
Pesquisam os intervalos entre os compassos vitais,
e descobrem um compositor legitimado e doente,
com falta de criatividade sônica, crônica,
tentando organizar esta narração simples
que começou com uma confusão entre dois sets:
o "pobre homem aposentado pelo alto-mar"
e o "sapateiro arruinado da rua de casa".
Cada bolha soprada e captada
deduz que a culpa não conhece o futuro.
Cada dedo podre apontado,
cada cama de gato-pingado,
cada voz que chama e afunda
induz a pensar que existe ainda,
depois do fim da primeira semana,
uma chance desperdiçada chamada 'segunda'.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Encontrei um caminho diferente
perto dos pneus dos carros,
das colunas antigas,
das faixas amarelas bem divididas.
Encontrei um modelo antigo,
inoperante e colecionado,
e a paz do meu cigarro
acesa e sentida.
Pude ver o suor trabalhado
em cada gota de tinta e
a estrutura montada,
estampada na camiseta
de uma estranha qualquer
que passou sem me conhecer,
e que foi embora sem ao menos procurar
naquelas ruas bem cercadas,
um banco frio para sentar
e um bom lugar para me ver.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Que conforto esse torpor!
Peso-médio de alegria.
Que agulha viva essa dor!
Filma o meu melhor lado,
coloca tudo numa sacola bem apertada
e me manda que eu rasgo,
com os meus dentes sadios,
e te devolvo o resultado.
A vida é muito curta pra terminarmos
qualquer frase, mas o ponto é
o melhor limite a ser superado.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Antigamente as folhas pendiam amareladas,
o Homem-Jersey limpava apenas a metade superior do seu rosto,
a tinta da caneta manchava e era necessária.
Antigamente as formigas 'carpintavam'
e o corpo seco da cigarra servia e assustava,
as frutas azuladas e apodrecidas abrigavam os repúdios
que hoje não cabem em nada.
Os pinheiros marcavam o uniforme bem passado
e a maçã era a dúvida:
Por quem ser preparada?
Antigamente eu via rostos em tudo e
o mundo contemplado do telhado de casa parecia perigoso.
Naquele tempo eu jogava forçado e
por sorte fugi antes de ser considerado talentoso.
Antigamente eu tinha mais do que isso,
antigamente eu tinha um herói de carne e osso.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

É tudo armação,
aparentemente estratégia,
calma e serena,
mas não me engana.
Todos se odeiam mas convivem
pro bem geral que não existe.
Acordar, figurar, impressionar,
tríplice hipocrisia regada a mesmice.
Existir cansa tanto que a recompensa
só paga a terapia e, é preciso dizer,
em nada ajudaria.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Sorria pseudo-assassino,
a maldição daltônica te levou
pro lado exótico da festa.
Sem cores, com a conhecida pose,
encara os olhos desbotados
da escolhida secreta.
Disse que ela era especial,
escolheu uma cadeira
e lançou no ar a tentativa final,
numa posição discreta.
Nada.
Num idioma afetadamente desconhecido,
assim como ele,
recolheu seu corpo para a área coberta.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Charadas são legais,
tão indiretas quanto as músicas
escolhidas pra ferir.
Qualquer erro devora a próxima chance,
de modo que o futuro vem triturado,
e mesmo com um acerto, inesperado,
é difícil de engolir.
Se descer um pouco
seus amigos cuidarão de suas preocupações
e ficarão ao seu lado,
como numa lembrança exaustiva,
escurecida nos cantos,
e sem qualquer significado.
Fraco é quem nega a vontade,
e disso eu já estou cansado.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A folha do livro sagrado
queimou como o Inferno.
Subiu à minha cabeça
até a mais gloriosa
e divina das alturas
e pulou.
Ninguém esboçou qualquer reação.
Era só mais uma página virada
em mil pedaços.
Apagaram as notas nas entrelinhas,
fizeram um monumento em sua homenagem,
nomearam um novo Profeta
e aqui estamos nós.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Morto, vivo, rumor perigoso andando impreciso.
Lembro o nome mas esqueci o rosto,
a sensação do esforço,
a vergonha só minha,
a saudade da volta,
a parte que deixei lá sozinha.

É fácil se eu minto.
Metade do que eu sinto
é sorriso de cesto
que encontro em qualquer esquina
e pago barato, vez que não tem preço
e é de liquidez garantida.

Tem algum lugar aí?
Sinto falta de casa,
e onde quer que ela esteja,
também sente a minha falta.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Gosto forte.
Café forte, bebida forte,
comida forte, cigarro forte,
forte.
Por que esse corpo fraco?
A vontade do forte e um corpo frágil.
A degustação é cara, rara, quase que exclusiva,
e eu não tenho boa memória.
Gosto forte,
sem falar no paladar ansioso
que só pensa em misturar,
e nas doses mais do que generosas
que eu insisto em guardar
em mim.
Cada exagero é controlado e descontado
nos outros, e cada sorriso paciente não conta,
não existe, não ajuda.
Gosto estranho,
gosto do fim chegando, do controle mal calculado,
do calor da insônia, e da raiva de mim mesmo.
Gosto da noite, sem exagero.

domingo, 8 de janeiro de 2012

O gatilho da decepção é a expectativa..
Quando a morte chega ela não bate,
ela não avisa, ela vem por trás, com o punhal nas mãos,
ela beija a tua nuca, ela acaricia a tua orelha,
ela traz o frio de volta. Surpresa com a única certeza.
Mas quem disse que ela não chora?
Aposto que ela chora. Ela se alimenta disso.

O gatilho da cegueira é a saudade..eles sempre dizem.
Ela fica pra sempre, mesmo que escondida.
Mas quem disse que ela não sorri?
Aposto que ela sorri. A saudade chora e sorri, é irmã da outra,
mais nova, sensível e rasa. Ela sabe o que faz.

Não adianta buscar resposta
e não vale a pena esperar sentado.
Por mais que todos saibam, não custa nada lembrar:
Quando a hora chega, você sabe qual irmã deve abraçar.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Meu corpo sujo,
diferente dos que servem,
diferente dos que vendem,
pra mim serve.
Minha barba cresce,
meu cabelo cresce,
a grama cresce,
e eu corto.
Até nisso padece.
Uma grande mentira, uma piada sem graça
que me leva de um lado a outro pra me dizer nada.
Ficam os cabelos e os ossos caprichosamente desalinhados:
O cabelo mal cortado embaixo da grama mal cortada,
e a vida mal vivida
pelos outros mal contada.