sábado, 31 de março de 2012

Queria uma bala
pra me despachar,
até o fim do dia
mais difícil da minha vida,
para algum destino errado,
num pacote de madeira enfeitado.
Tive sorte, quando não
atendi o telefone
ligaram pro hospital,
pra delegacia,
ligaram pro IML,
ninguém sabia do homem,
e, quando perguntaram
pro coveiro
apenas ele ajudou:
disse ter me visto
dentro do último buraco que fechou.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Toda casa tem uma, sempre ligada e
oferecendo o mundo sem pedir nada,
explicitamente.
O sofá é confortável,
a informação pronta parece ser mais inteligente,
todos contestam e reclamam
porque, afinal, ela mente,
e não importa que minta, pois existem botões
que te presenteiam com o que você deseja ou precisa escutar.
Passamos minutos procurando uma companhia ideal,
canal após canal, só para gastar energia
e preencher o silêncio, enquanto comemos,
e não é preciso mais conversar.
Encontramos um meio de evitar discussões,
de superar frustrações, e de sentir alegria,
mesmo sabendo que ela irá embora
assim que a tela se apagar.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Cobrir os olhos com as mãos
parece ser o bastante para aliviar
a cabeça e afastar o que realmente importa.
Mas, o segredo está no improviso perturbador
do que acontece só por acontecer e no balanço
nauseante que vem antes da queda,
que fica pra sempre gravado
na parede da mão flutuante, acumulado,
impossível de descrever.
Sempre pensei que o desafio seria
lembrar das boas paranoias,
das paranoias aconchegantes e
repletas de sabores cultivados
e moldados do outro lado da lente
pro mundo desarrumar.
As ferramentas estavam ali o tempo todo,
no meio do engodo infantil
e da música mecânica
que por um erro surgiu diante da graça.
Estava ali o tempo todo, indeterminada e aquecida,
mas algo apareceu, acendeu as luzes
e não há mais o que se faça.

terça-feira, 27 de março de 2012

Leia isso com muito cuidado, porque eles não entenderão
quando minha voz ressoar na sua mente
cansada, de tanto chamar a atenção.
Junte os pontos. É muito simples arriscar numa nota alta.
Primeiro os traços menores, para que
cresçam conformados com a próxima direção,
por fim os ilegíveis, em plena decadência
pelas pontas quebradas e pela falha concentração.
Nasce uma cópia fiel de sua própria existência
e o desenho se revela de forma inesperada:
uma bela folha em branco
cada dia mais amassada.

terça-feira, 13 de março de 2012

Meus dedos pingam e
examinam a forma como apertamos
a mão de algum estranho próximo.
São levados à força a encarar a febril mulher da capa da revista
e a experimentar o remédio da melhor safra.
Pedem para sonhar que são aranhas,
e que me confundem. Eles têm o que desejam.
Pesquisam os intervalos entre os compassos vitais,
e descobrem um compositor legitimado e doente,
com falta de criatividade sônica, crônica,
tentando organizar esta narração simples
que começou com uma confusão entre dois sets:
o "pobre homem aposentado pelo alto-mar"
e o "sapateiro arruinado da rua de casa".
Cada bolha soprada e captada
deduz que a culpa não conhece o futuro.
Cada dedo podre apontado,
cada cama de gato-pingado,
cada voz que chama e afunda
induz a pensar que existe ainda,
depois do fim da primeira semana,
uma chance desperdiçada chamada 'segunda'.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Encontrei um caminho diferente
perto dos pneus dos carros,
das colunas antigas,
das faixas amarelas bem divididas.
Encontrei um modelo antigo,
inoperante e colecionado,
e a paz do meu cigarro
acesa e sentida.
Pude ver o suor trabalhado
em cada gota de tinta e
a estrutura montada,
estampada na camiseta
de uma estranha qualquer
que passou sem me conhecer,
e que foi embora sem ao menos procurar
naquelas ruas bem cercadas,
um banco frio para sentar
e um bom lugar para me ver.